CAPÍTULO 02: A TROCA
Uma criança caminha pela calçada de mãos dadas com o seu pai. Estão indo ao encontro da sua mãe, é aniversário dela e ela saiu mais cedo do trabalho. Papai vive de pensão por ter sido invalidado num acidente de trabalho.
Logo a avistam do outro lado da rua, o pai acena para ela soltando a mão do menino (já que na outra mão ele leva sua bengala). O menino em exaltação sai correndo para abraçar a mãe. O motorista procura o isqueiro que deixou cair no chão e não pode ver a criança inconsequente atravessando a rua. Mesmo impossibilitado de alcançá-lo, o pai vai atrás dele. A mãe desesperada atende ao mais primitivo dos instintos maternos de socorrer a sua cria em perigo e corre para salvar seu filho.
Ela o empurra se atirando em frente ao caminhão, as rodas dele passam por cima do pé esquerdo da criança triturando todos os ossos. O sangue jorra em sua cara, mas não é dele. E sim da sua mãe esmagada sendo arrastada pelo asfalto...
Dave abre os olhos. Faz oito anos dês da morte de sua mãe. A água gelada do chuveiro cai sobre o seu rosto, como se ainda quisesse limpar o sangue derramado. Agora ele carrega uma prótese no lugar do pé e uma culpa no lugar do coração.
Duas semanas depois...
– Oi Dave! Olha só! Finalmente to vendo o seu carro. Que “bunitinho”!! – Diz Estella – Qual o nome dele?
– Ãh?! – Diz Dave franzindo as sobrancelhas – Por que eu daria um nome para uma máquina?
– É o seu carro. Acho que é legal ele ser um pouco diferente dos outros, pelo menos para você.
– Ele não vai atender pelo nome, vai? – Disse com tom esnobe – Eu penso em algo depois de qualquer maneira.
– Ta certo. Vamos dar uma volta então? – Disse Estella tentando entrar no carro. – Tá trancado!
– É que está trancado. Você acha que eu iria deixá-lo destrancado na rua? – Falou abrindo o carro – Está na frente de casa mas ainda assim é perigoso. Pode entrar.
– Esse estofado é original?
– Infelizmente...
– Pois eu achei bem confortável!
– Aonde quer ir?
– Ah, num sei... vamos pro shopping?
– Tá bom.
Dez minutos depois o carro começa a fazer um barulho estranho e morre. Dave consegue ligá-lo de novo, mas ele morre logo em seguida.
– Droga!
– O que aconteceu?
–Essa droga de carro quebrou. E como é uma “lata-velha” pode ser qualquer coisa.
– Não deve ser tão difícil assim de consertar.
– Não deve ser tão difícil assim de consertar. – Repetiu Dave sarcasticamente,  ficando mais nervoso.
– Não seja ignorante comigo Dave! Eu não tenho culpa.
– Mas não fui eu que pedi para dar uma volta né?
– Deixa de ser idiota! – Falou saindo do carro e batendo a porta – Você não enxerga nada nem ninguém além do seu próprio nariz!
Dave ficou no carro, pensando se estava errado, pensando se tinha sido idiota e pensando se devia ir atrás dela. Mas lhe faltou coragem.
No dia seguinte Dave foi a um ferro-velho tentar conseguir um cabeçote para o carro, foi ai que procurando entre algumas carcaças encontrou - por debaixo de uma lona – uma andróide. De cabelo negro, a pele sintética extremamente alva, os lábios finos levemente apagados e olhos vidrados num azul como as profundezas do rio Tâmisa.
Ao vê-la, já nem lembrava o motivo pelo qual tinha ido ao ferro-velho, só sabia que tinha de tê-la a qualquer preço. Era a chance de realizar o seu sonho de ter um andróide e ele não deixaria passar.
Quando falou com o dono a respeito. Este disse que nem se lembrava de como ou quando havia conseguido esse robô, mas tinha que olhar o carro antes, pra ver se iria trocar.
Já à noite em seu quarto ele não conseguia dormir, pois não parava de pensar nela. Talvez porque ela o lembrava de sua mãe. Talvez porque o pai jamais o perdoaria por isso. Mas ele já estava determinado.
Pela manhã, Dave não foi a escola. Foi a primeira vez em muito tempo que ele faltou. Chamou um guincho bem cedo, e já estava com o carro em frente ao ferro-velho antes que ele abrisse. Por cerca de uma hora ele esperou ansioso e extasiado como nunca esteve antes na sua vida até que abrissem.
Logo que avistou o dono abrindo o portão foi ao seu encontro pedindo que visse o carro. O senhor pareceu satisfeito com o estado do carro - que estava bem conservado – e o chamou para entrar. La dentro disse a Dave:
–Ontem depois que você partiu, eu chamei um especialista amigo meu para averiguar o estado desse robô. Como tivemos pouco tempo ele não pode olhar o mecanismo interno, mas externamente ele esta impecável e nunca foi ativado. Esse modelo foi fabricado há três anos e é a versão final de um protótipo batizado de Elírion. Fabricado por uma empresa japonesa que queria lançar uma nova proposta para andróides que nunca foi divulgada qual era. Como o projeto não atingiu o sucesso esperado, a empresa faliu e nunca se soube realmente o que esses robôs têm de diferente dos outros.
Dave mal ouvia o que estavam lhe dizendo, só prestava atenção a perfeição assimétrica do corpo despido da andróide. O homem continuou dizendo:
– Ela não tem número de série, ou pode ter sido apagado. Como o meu amigo me disse que nunca será possível ativá-la. E eu tenho certeza que nunca vão me oferecer mais do que você pretende...                                                                                                                             ...eu aceito a troca.
Nesse momento, Dave foi tomado por uma euforia tal que nunca havia tido em toda a sua vida. Caia uma chuva torrencial de verão. Mas era um dia mais feliz do que qualquer outra manhã ensolarada de primavera. E lá foi ele, carregando a andróide enrolada na lona. Ela era pesada para ele e a chuva caia muito forte, mas ele não estava se importando com nada disse.
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